Esta entrevista com Nasi foi realizada como parte da análise sobre os 30 anos do clássico disco Vivendo e Não Aprendendo, que você pode ler aqui.
Confira também a entrevista com Edgard Scandurra.
Nasi é um dos mais carismáticos vocalistas do rock nacional, além de ser uma de suas maiores vozes, facilmente reconhecível pela sua característica grave e rasgada, bem rock’n’roll. Nasi responde a todas as perguntas com paciência quase didática, mostrando-se gentil no tom e cuidadoso nas respostas. Não o cuidado de quem tem algo a esconder ou teme revelar demais, mas a atenção aos detalhes de quem não quer esquecer de nada importante.
Na entrevista a seguir, Nasi fala sobre sua influência da música hip hop, sobre como a onda mod do rock está presente na discografia do disco (e neste disco em particular), e sobre as expectativas que uma banda de rock tinha no começo dos anos 80 no Brasil que começava a se redemocratizar.
Nasi, conta um pouco qual era a realidade do IRA! em 1986. Quais eram as aspirações de vocês como banda, e quais eram as aspirações de vocês como cidadãos?
Bom, em 86 o IRA! tinha sofrido uma transformação, na sua formação, no seu estilo musical, tinha saído, digamos, de um cenário alternativo punk pra ter gravado seu primeiro disco pela Warner, que foi o Mudança de Comportamento,disco que mesmo não tendo tocado muito em rádio, teve só o sucesso de Núcleo-Base no final de sua trajetória, colocou este primeiro álbum do IRA! como um dos melhores do ano em todas as enquetes.
Isso fez com a que a gente chegasse com muita moral pra gravar no Nas Nuvens (Nota do editor: nome de um dos melhores estúdios brasileiros), em 86, o Vivendo E Não Aprendendo; era um momento também do país muito auspicioso, campanha das Diretas, a transformação do país… era um momento de esperança, pra gente como cidadão e pra nós como artistas.
Você imaginava que este disco iria ter o sucesso que teve, a ponto de se tornar um ícone do rock brasileiro? Como surgiu o convite para Flores em Você integrar a trilha de uma novela da Globo?
Bom, a gente não tinha muito esta noção, né? A gente sabia que o rock em 86 já era uma realidade, já havia o Rock’n’Rio, músicas de sucesso de todos os artistas brasileiros, mas a gente também não ficava pensando muito – era muito jovem, a gente vivia um dia de cada vez.
No caso de Flores em Você, os arranjos, foi uma coincidência feliz, o Liminha, apesar de ter brigado com o IRA!, apesar da gente ter se separado na produção, ele era o diretor musical da trilha da (novela) O Outro, e aí mostrou as músicas pro Boni, e por dois motivos acho que o Boni escolheu esta música: porque a sinopse da letra parecia muito a sinopse da novela, o cara que morria, mas depois renascia, etcétera e tal; fora isso acho que a sofisticação do arranjo do Jaques Morelenbaum também chamou a atenção, acho que fica bem sofisticado, num padrão legal pra uma novela das oito.
O que é interessante, e que eu saiba até então era inédito, esta foi a primeira música-tema de abertura de novela da Globo que não foi lançada exclusivamente na novela. Quando ela foi escolhida pra ser o tema de abertura, ela já tinha sido lançado no disco, e isso era inédito até então, os artistas que gravariam uma música-tema de uma abertura, eles gravariam pra novela, ia sair primeiro no disco da novela e depois eventualmente eles poderiam gravar. Então isso foi uma quebra de paradigma que o IRA! fez na Globo.
Como toda grande banda de rock, o IRA! está inserido numa grande “árvore genealógica” do rock, tendo bebido em diversas influências. Uma das referências declaradas da banda é o The Who. O quanto vocês beberam da onda “mod”, e o quanto acha que ela transparece na obra da banda e neste disco em particular?
Bom, o The Who, e a cena mod inglesa dos anos 60, Small Faces, Easybeats, Troggs, foram influência fonte direta desta nossa mudança de comportamento, que foi esta mudança do IRA! mais cinzento, dissonante, post punk, que é da formação do Charles (Gavin), do Dino (primeiro baixista do IRA!), pra este novo conceito que nós quatro abraçamos em 85.
Claro, já eram influências, muito no Edgard, em mim também, no Gaspa, o André que era um cara que descobriu isso com a gente, porque não era muito do cenário das coisas que ele curtia até então. Então, foi fundamental. Os dois primeiros discos do IRA!, são discos bem mod, são discos de power pop, também, que pode também ser algo parecido em termos de gênero.
A partir do Psicoacústica, nós quebramos isso, foi um disco completamente diferente. Acho que depois disso nós retomamos um pouco este estilo no Meninos da Rua Paulo. Acho que estes três discos são os três discos mod do IRA!.
Que outras bandas e artistas vocês estavam ouvindo naquela época? Como vocês faziam pra a partir destas referências comporem uma obra original e encontrar uma identidade para a sonoridade?
Ouvimos bastante algumas coisas da new wave, do post-punk ainda, Gang of Four, Clash ainda ouvíamos, algumas coisas dos anos 60 também, Kinks, The Cure, New Order… Eu particularmente nesta época já estava ouvindo muito Hip-Hop. Eu e o André, já desde 84, 85… em 86 muito, Kurtis Blow, Grandmaster Flash and the Furious Five, Run DMC…
Como foi a atmosfera das sessões de gravação? Quais as principais lembranças que você guarda destas semanas?
A atmosfera das gravações do Vivendo foi muito tensa, nós chegamos lá bem prepotentes, encontramos o Liminha num momento também cheio de trabalho e também muito auto-suficiente, não houve liga, é o que a gente chama.
Então as gravações todas foram muito tensas, apesar de termos gravado bem, apesar dele ter comprado a nossa ideia do quarteto de cordas na Flores em Você, a gravação foi numa atmosfera bem tensa, depois que nós fomos pra São Paulo, onde mixamos o disco com o Peninha (Pena Schmidt) e com o Paulo Junqueira, aí já num clima de muita harmonia, que acho que até marcou uma parceria entre nós e o Paulo Junqueira.
E em relação à produção com os craques Pena Schmidt e Vitor Farias? Como foi trabalhar com eles e qual a importância da contribuição de cada um deles? Apesar da briga à época, qual a importância do Liminha pra este disco?
Olha, trabalhar com o Liminha, apesar de não ter dado aquela liga, foi muito bom, porque ele foi um cara que possibilitou muitas coisas pra gente. O Vitor Farias é um excelente engenheiro de som, o estúdio que o Liminha montou era na época o melhor do Brasil (Nas Nuvens), ele comprou a nossa ideia em relação à Flores em Você, acho que apesar da gente ter rompido a produção no meio, deixamos um legado legal pra gente levar pra São Paulo.
E o Pena é o cara que descobriu pra gravadora o IRA!, entendia bem as referências da banda, foi um cara importante no nosso contato e na nossa ascensão dentro da Warner, na época.
1986 também marca o lançamento de discos clássicos de outras grandes bandas do rock brasileiro, comoTitãs, Paralamas e Barão. Como era o relacionamento de vocês com a galera destas bandas? Você se sentia influenciado de alguma maneira por estas bandas contemporâneas?
Olha, até o estouro de sucesso da nossa carreira, a gente podia se encontrar muito mais, óbvio que quando o sucesso chega, cada artista, cada banda, fica no seu circuito de turnê, e às vezes dá sorte de se encontrar num mesmo festival, num mesmo evento.
A gente sempre teve mais contato, o IRA! sempre foi sediado em São Paulo, então era óbvio que o nosso contato sempre era maior com Titãs, Ultraje, com as bandas da cena alternativa underground de São Paulo, como Mercenárias, Voluntários (da Pátria), Smack…
Agora, as bandas não se influenciavam não, pelo menos é assim que eu vejo, porque uma características deste período, dos anos 80, é que as bandas eram muito diferentes uma das outras, ainda não havia um padrão de FM, por não haver um padrão de FM, as bandas não tinham que seguir o que tocava no sucesso.
Por exemplo, depois do sucesso do Charlie Brown (Jr), vieram muitas bandas fazendo igual ao Charlie Brown, Skank também, depois do sucesso, muitas bandas imitaram o Skank. A gente naquela época era fruto dos discos que a gente ouvia, por isso que bandas como IRA!, Paralamas, Kid Abelha, Engenheiros do Hawaii, Ultraje a Rigor, são bem diferentes.
Visite o site oficial do IRA!
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